sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sozinho na estrada

Viajar desacompanhado pode ser uma ótima oportunidade para conhecer melhor os lugares, as pessoas e, sobretudo, você mesmo

Seja bem-vindo, você acaba de embarcar numa viagem. Mas esqueça marido, mulher, filhos, cachorro e papagaio (claro que você os ama, mas é só por um tempo). Esta jornada é só sua. Desta vez, você vai viajar sozinho. Ah, não venha torcer o nariz e dizer que não gosta de solidão. Se você pensa assim, está na hora de rever seus conceitos, quem sabe preconceitos. Sim, mais do que na Europa ou em alguns outros lugares do mundo, existe aqui no Brasil a mania de achar que se alguém está sozinho é por falta de opção. Quase nunca passa pela cabeça das pessoas que é justamente o contrário: uma escolha consciente de dar um tempo para ficar com você mesmo, se abrir para os lugares e as pessoas e, se perigar, até se conhecer melhor. Se a idéia de viajante solitário, expressão (mal) traduzida do inglês, provoca calafrios em você, pense em viajante independente. De pronto vem uma sensação de liberdade bem mais inebriante.Começou a gostar da idéia? Antes de prosseguir, que fique claro. Ninguém aqui está propondo que você abandone as viagens em grupo.Mas que tenha, pelo menos uma vez, a experiência de sair por aí, dono do seu próprio nariz. E, se for bom, repetir quantas vezes puder, por que não? Agora pegue sua mala, que o trem já vai partir.

O caminho para o novo

Em seu livro A Fruitful Darkness (“Uma escuridão frutífera”, sem tradução no Brasil), a ecologista e antropóloga budista Joan Halifax diz que todo mundo tem uma geografia própria,que pode ser usada para mudanças. “É por isso que viajamos para lugares distantes. Saibamos disso ou não, precisamos renovar nós mesmos em territórios frescos e selvagens. Precisamos ir para casa passando por terras estranhas.Para alguns, essas são jornadas em que mudanças ocorrem intencional e cuidadosamente”, escreve.

A história é prova disso. Quando os ingleses foram colonizar os EUA, não queriam apenas um monte de terras. Estavam em busca de construir uma outra experiência de vida. O escritor e filósofo alemão J.W. Goethe (1749-1832) já não era mais o endiabrado poeta romântico quando partiu para uma jornada na Itália, entre 1786 e 1788, quem sabe para se libertar da atmosfera intelectual de Weimar e descobrir um novo lado seu, que pode ser conferido no livro-diário da jornada, Viagem à Itália. O filósofo, teólogo e humanista Erasmo de Roterdã (1465- 1536) viveu e trabalhou em diversas partes da Europa em busca de conhecimento, experiências e idéias que, para ele, apenas o contato com o novo poderia trazer. Assim, virou o precursor da mobilidade acadêmica européia.Hoje existe, inclusive, um programa de intercâmbio entre universidades da União Européia com seu nome.

Porém, para a maioria das pessoas atualmente, esse sentido de sair em busca do novo, do fresco, do desconhecido, está meio de lado. Ainda que sobrevivam exemplos como os intercâmbios acadêmicos e os períodos “sabáticos” seguidos pelos jovens israelenses, que logo após cumprir o exército correm o mundo antes de começar a vida profissional, a viagem exploratória há muito cedeu lugar à pura distração.Vivemos na chamada cultura da embriaguez,onde o que vale é o prazer.As pessoas viajam para descansar, se divertir, não para encontrar o desconhecido ou encontrar a si mesmas.Ninguém quer sair da zona de conforto, façamos o mea-culpa. Basta marcar as férias para começar a corrida atrás de uma acomodação com TV, ar-condicionado e frigobar.

Nada contra a mordomia, o único problema é tornar a viagem um prolongamento da vida cotidiana. As viagens hoje em dia são superprotegidas, as pessoas se armam, querem levar todo seu conforto.É cada vez mais difícil elas se soltarem ao risco, estenderem a borda do limite.